The Cigarettes DATABASE

BIOGRAFIA ATUALIZADA EM 03/09/2024. TEXTO POR EDUARDO BENTO.

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FOTOS POR EUGENIO VIEIRA

Spotify: top tracks THE CIGARETTES

Introdução

Fala-se por aí numa safra de bandas que entrou para a história pelo pioneirismo em produzir rock alternativo no Brasil. Alguns sobreviventes dessa geração até hoje se autocelebram por terem quebrado uma patente no início dos anos 90 e adotam o discurso de que quando eu cheguei, isso aqui era tudo mato. Marcelo Colares se recusa a jogar nesse time, pois o legado do Cigarettes não está atrelado a devaneios nostálgicos, e sim a canções como Impossible Crush, When I See You Again, Crystaline, Happiness, The Bore, Friendship e tantas outras que nunca deixarão de fazer sentido.

Sempre à margem de qualquer cena, indiferente até mesmo às tendências do chamado indie brasileiro, Colares tem uma carreira subestimada e pouco convencional, marcada por breves silêncios e pela famigerada independência. Poucos artistas de sua geração têm uma discografia tão extensa e diversificada. E, certamente, nenhum outro é tão lembrado quanto ele em função apenas de seus primeiros passos – a demo Felícia, de 1994, e o debute Bingo, de 1997, um disco pouco celebrado na época e que gradualmente conquistou o status de clássico até se tornar objeto de disputa entre colecionadores.

Até o momento, seu último registro é Saturno Wins, lançado pela Pug Records em 2017. O nome do sétimo álbum foi inspirado em Sob o Signo de Saturno, ensaio onde Susan Sontag apresenta um retrato superficial do filósofo alemão Walter Benjamin: “Considerava-se um indivíduo melancólico, desdenhando os modernos rótulos psicológicos, e invocava a astrologia tradicional: ‘Nasci sob o signo de Saturno, o astro de revolução mais lenta, o planeta dos desvios e das dilações…’.”

“Inerte diante do desastre quase concreto, o temperamento melancólico é galvanizado pelas paixões suscitadas por objetos privilegiados” e outros insights de Sontag se encaixam de forma fluida na figura de Marcelo Colares, que há 30 anos mistura música, desencanto e ainda alguma alegria. Para o jornalista Marco Antonio Barbosa, o maior hit-maker e talvez único poeta da cena guitar é também o “Dom Quixote do indie rock brasileiro”. Outra boa definição veio num post de Alexis Peixoto, do site O Inimigo: “uma saga que já dura mais de duas décadas de independência, resistência e entrega.”


Biografia

O Cigarettes é um dos principais representantes da segunda geração de guitar bands brasileiras. No começo dos anos 90, Marcelo Colares saiu de Itaperuna para cursar faculdade no Rio de Janeiro, onde viu a ascensão do Second Come e PELVs como um recado de que era possível fazer o som que estivesse afim, com letras em inglês e influências gringas. No verão de 1994, Colares aproveitou as férias no Noroeste Fluminense para gravar a fita demo Foolish Things and Blah Blah Blah, que foi parar nas mãos de Rodrigo Lariú, do midsummer madness, e dos integrantes da PELVs Dodô Azevedo e Gustavo Seabra, que ajudariam na próxima gravação ainda naquele ano. Enfurnados no quarto de um apartamento, Marcelo, Dodô e Gustavo usaram um portastudio alugado para gravar Felícia numa tarde de sábado e mixá-la no domingo. A fita foi o segundo lançamento do midsummer, que despachou mais de 300 cópias via correio, emplacando Lips 2 como um hit do underground. Em 96, veio “mais uma demo via midsummer madness”, conforme constava na lateral do encarte de Brazil’s Sad Samba, cuja gravação contou com a ajuda do baterista Wilson e do baixista Tito, que integraram o power trio de 1995 a 1998.

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A aguardada estreia do Cigarettes foi a primeira prensagem em CD do midsummer e uma das primeiras gravações do Freezer – estúdio em Botafogo comandado por Gustavo Seabra e Dodô Azevedo, da PELVs. Apesar da semelhança com os Smiths, Marcelo Colares refuta o rótulo indie pop, por considerar que há sujeira demais para tal. De fato, Bingo é permeado por passagens noise, com riffs que remetem aos rompantes de J Mascis e tímidas camadas de feedback que descendem de Psychocandy. Velvet Underground, Legião Urbana, Stereolab, Teenage Fanclub, Pavement e Rimbaud também são citados como influências. You Gonna Make a Movie é uma faixa emblemática, pois condensa guitarras e vocais inspirados por Dinosaur Jr, teclados que remetem ao hit This is The Day e versos românticos com ares de Nouvelle Vague. A mistura de elementos aparentemente antagônicos dos anos 60, 80 e 90 contribuiu para que a sonoridade destoasse das demais gravações da cena guitar.

O tracklist é repleto de hits, praticamente um best of das três demos lançadas em fita K7. A ordem das faixas foi pensada como uma ópera protagonizada por um jovem idealista. Ao longo de 16 histórias hiperbólicas, as drogas, as paixões e a arte servem tanto para acentuar quanto para amenizar a melancolia e a dificuldade de adaptação a um mundo hostil. Inocente para alguns, pretensioso para outros, Colares criou uma obra que definia sua existência enquanto artista e ser humano no alto dos 23 anos. Um disco planejado, mesmo que inconscientemente, desde a infância e que alterou os rumos de sua vida adulta.

Imerso em temas universais, um dos maiores letristas do rock brasileiro cantado em inglês evoluiu ao longo da discografia. Ainda assim, suas primeiras composições continuam sendo as mais cantadas pelos fãs que têm transformado os raros shows num improvável karaokê do underground. Pela capacidade de simplificar aspectos essenciais de suas influências em canções irretocáveis, seria justo que o Cigarettes fosse reconhecido como o Ramones do indie rock. Bingo ainda reverbera não por nostalgia dos que vivenciaram aquela cena, e sim porque todos que escutam esses refrões não se esquecem das melodias.

O gravador ADAT era uma tecnologia que poucos dominavam. Encarregado de produzir o disco, Gustavo teve divergências estéticas e se afastou da empreitada, que prosseguiu com a assistência de Sol Moras, Dodô e Alexandre Maraslis. Em meio a turbulências, Colares finalizou a mixagem sozinho em sessões clandestinas de madrugada e obteve um resultado aquém do esperado, que muitos interpretaram equivocadamente como lo-fi. Na edição comemorativa de 25 anos, Bingo ganhou quatro faixas bônus, foi remixado por Eduardo Ramos, masterizado por Alan Douches e prensado em vinil vermelho. Fruto de experimentos com fotos polaroid, a capa é assinada por Fábio Leopoldino, que também cantou em uma das faixas. A estrela disforme é uma referência ao Partido dos Trabalhadores que passou despercebida por muitos anos.

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Biografia em construção. De 1998 a 2015, rolou muita coisa: turnê europeia cancelada em cima da hora, três discos pela SLAG!, show de abertura para o Teenage Fanclub, retorno para o midsumer madness, prensagem de The Cigarettes (2012) em vinil, formação de cinco integrantes durante a turnê de The Waste Land (2015).  Essa parte da história será contada em futuras atualizações da página.

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Em novembro de 2015, após tocar no Nordeste, Marcelo Colares passou por São Paulo para gravar um disco sob os cuidados de Bruna Buzollo; no entanto, por falta de tempo, o encontro rendeu apenas três faixas. Pela primeira vez, as batidas eletrônicas foram utilizadas num contexto pop, e não mais em viagens predominantemente instrumentais. No início de 2016, o midsummer madness lançou os singles virtuais Impossible Crush e ‘blusky’, enquanto Never Know Why ficou na geladeira à espera da coletânea do documentário Guitar Days.

Em julho de 2016, o Cigarettes fez quatro shows no Triângulo Mineiro ao lado da Lava Divers. Foi uma mini-tour estratégica para retomar a parceria com Bruna Buzollo, que agora reside em Uberaba e é uma das sócias do Laboratório 96, mistura de estúdio, bar e casa de shows onde foi gravado o sétimo álbum do Cigarettes, intitulado Saturno Wins. A mixagem ficou a cargo de Eduardo Ramos e a masterização foi feita nos Estados Unidos por Alan Douches, que já trabalhou com Olivia Tremor Control, Sufjan Stevens, Beach House, entre outros.

Em setembro de 2017, a Pug Recs lançou o EP The Lights, cuja faixa-título funcionava como uma prévia do disco que seria lançado em seguida. O tracklist conta também com as três faixas produzidas pela Bruna em 2015 e com a recém-lançada Just About Everything Before (gravação de 2008 que veio à tona recentemente numa coletânea do TBTCI Records), além de uma versão alternativa para The Lights. Condensando diferentes influências em uma mesma vibe, o EP traz incursões acústicas, baterias primitivas, beats eletrônicos, solos intermináveis, timbres estourados e atmosferas glaciais que remetem a nomes como Neil Young, Beat Happening, Radio Dept., J Mascis, Neutral Milk Hotel e Slowdive, necessariamente nesta ordem.

Em comemoração às duas décadas de Bingo, lançado em 1997, iniciou-se a empreitada de subir a discografia do Cigarettes nas plataformas digitais. As versões remasterizadas de Song Machine (1999) e All is Well (2005) chegaram ao Spotify em outubro, o que levou Eduardo Ramos, criador do selo SLAG!, a escrever um pequeno texto sobre suas parcerias com Colares. Em 03 de novembro, Bingo (1997) finalmente chegou às plataformas, e dessa vez foi o próprio Colares que escreveu alguns parágrafos relembrando histórias e personagens relacionados à gravação disco. As demos Felícia, Brazil´s Sad Samba e Ashtray são as próximas na lista de relançamentos.

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Após cruzar a faixa etária dos quarenta, Marcelo Colares lança Saturno Wins, onde arrisca-se em temas e formatos pouco explorados ao longo de sua trajetória. Certamente, esse é o disco em que Colares está mais exposto. As guitarras barulhentas, espécie de marca da banda, e sempre um refúgio para eventuais deficiências vocais, estão fora de cena. Dominado pelo arquétipo voz e violão, Saturno acaba por alçar a interpretação ao primeiro plano. Nesse movimento, as fragilidades ganham evidência, com o efeito paradoxal de transformá-las em potência.

O disco percorre lentamente possibilidades, tentativas e limitações. Para os afeitos à astrologia, as correlações com aspectos associados ao astro do título estão por toda parte. A pegada folk-reflexiva aliada a alguns arroubos de saturação sugerem a desaceleração como única saída, ainda que sem destino certo. Nessa era onde prevalecem o cinismo e o déficit de atenção, é provável que Saturno Wins não encontre muitos ouvidos receptivos: trata-se de um disco para se ouvir com calma e sem pressa. Coisas que parecem pertencer cada vez mais a um outro tempo, que não sabemos se já acabou ou se ainda vai começar. Saiba mais sobre no texto no bandcamp.


Playlist


Hiperlinks

@cigarettesbr: instagram atualizado diariamente.
midsummer madness: download gratuito dos discos via midsummer e LETRA DE TODAS AS MÚSICAS.
Bandcamp: download gratuito e letras dos discos lançados pela extinta SLAG!.
#HEART OF DARKNESS: blog sobre a gravação, lançamento (1997) e remixagem (2022) do disco Bingo.

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Texto e playlist por Eduardo Bento. Esta não é uma página oficial do artista. Qualquer reprodução deve mencionar o DATABASE como fonte. Primeira postagem: 28 abril de 2016.