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I can’t stay high | I don’t know what I’ve done

O Freezer era o estúdio do Dodô e do Gustavo da Pelv’s que ficava numa sala comercial no térreo de uma galeria na Praia de Botafogo. Tinha sido aberto em 1996.

Embora tivesse uma finalidade comercial, parece-me que ele serviu mesmo, no cômputo geral das coisas, foi para abrigar as bandas que lançavam pelo midsummer madness.

Fora Pelvs e Cigarettes, lembro de cabeça agora, mas certeza que tem mais, Polystirene, Stellar, Kinetkit Ravecamp, Number 4, sem falar no Swallow 5 e na Banda Freezer que corriam ainda mais por fora. São todos nomes que ensaiaram, gravaram e confraternizaram por muitas horas e noites a fio no Estúdio Freezer, naqueles anos do final da década de 90.

Eu passava lá quase todo dia depois do trabalho. Era um ponto de encontro. E lembrando agora, era mesmo isso.

E é engraçada essa percepção no momento em que o envelhecimento avança irremediável.  Perceber que em algum momento da minha existência estive inserido num grupo de pessoas, que se uniam primordialmente em nome de um gosto musical compartilhado e que possuíam um ponto de encontro. Um estúdio de ensaios e gravações, integrado ao interesse difuso pela música que atingia a todos nós.

Claro que isso não teria nada de excepcional. Existem muitos grupos de amigos que se unem em torno da música e têm, não só um, mas, diversos pontos de encontro. A diferença aqui é que praticamente todos naquele grupo faziam música, gravavam, no mesmo lugar que era o ponto de encontro, e lançavam, todos, por um único selo.

Foi a partir de outubro de 96 que começou a rolar uma conversa de que a Pelv’s gravaria o segundo disco, o primeiro havia sido Peter Greenaway’s Surf, em 1993, lançado pela Rock it!. Agora com o estúdio próprio, seria mais fácil. O selo do Rodrigo Lariú, midsummer madness, que lançaria.

Seriam os primeiros lançamentos em CD do midsummer: o segundo da Pelv’s e o primeiro do Cigarettes.

Ao que consta, a distinção se devia ao fato de ter sido, o Cigarettes, a banda que mais vendeu fitas k7 no selo.

Antes de começarem as gravações, nas primeiras semanas de janeiro de 1997, eu comprei quatro fitas de Super VHS (S-VHS), a fita que era usada em gravações com o sistema Alesys Digital Audio Tape (ADAT).

Fui numa loja no segundo piso do Rio Sul e paguei 40 reais pelas fitas. Nada mais eram do que fitas de VHS com uma qualidade supostamente superior à das comuns.

Estávamos ainda no auge do Plano Real, inflação sob controle, um real igual a um dólar, desemprego baixo, FHC seria eleito no primeiro turno nas eleições do ano seguinte.

Havia uma espécie de euforia no ar.

O Brasil havia se livrado recentemente, 1994, do tormento da inflação, que castigava a população há mais de uma década. As pessoas estavam animadas. Achavam até que conseguiriam ganhar dinheiro vendendo discos de Pelv’s e Cigarettes.

Crazy times.

A propósito, lembro-me de um incidente, pra mim, emblemático desse período.

Pouco antes do início das gravações, no Estúdio Freezer não se falava em outra coisa. Mais curioso ainda foi a aparição de possíveis investidores na empreitada.

Um deles, acho que lhe chamavam de Carneiro, não sei se era apelido ou sobrenome. Fazia parte de um grupo de amigos de longa data do pessoal da Pelv’s, conhecido como “Galera de São Pedro”, em referência à cidade litorânea na Região dos Lagos, no estado do Rio. Era lá que essa “galera” se encontrava em finais de semana, férias e feriados.

Carneiro, ao que parece, vinha ganhando dinheiro com transporte coletivo feito por vans na baixada fluminense. Um empreendedor que buscava onde diversificar os investimentos.

Veio me perguntar:

– E esses cds aí que vocês vão gravar, isso vende fácil, né?

Olhei pra ele já rindo e expliquei. Não sem antes pensar como é que ele ainda não sabia o que eu diria.

– Olha, esse som que a gente faz não tem muito público, é muito segmentado.

– Ué, se tem pouco público, por que vocês vão gravar?

Parecia lógico o raciocínio. Pensei, por dois segundos, em falar sobre os sentidos não evidentes da atividade artística. Achei melhor, por fim, dar mais um sorriso e dizer:

– Pois é, a gente faz isso mesmo.

Como se fôssemos loucos ou algo do tipo.

Carneiro achou melhor não investir no “indie carioca”. Problema dele.

Outras pessoas preencheram a ausência de Carneiro, as gravações transcorreram, não sem uma tonelada de problemas, os discos foram lançados e nós, os personagens, ou já atravessamos, ou estamos prestes a atravessar, a barreira dos 50 anos de idade.

Sobrevivemos de alguma forma.

Esse é o momento em que contamos nossas histórias até aqui.

(continua)