“Naturally Sad” é, sem dúvida, uma das pedras fundamentais de “Bingo”. A versão original, em sua beleza única, com voz e violão em primeiro plano, um synth no fundo e percussão.
Hoje, o Colares me contou que esta música é resultado de uma sessão rápida que aconteceu em um longínquo sábado, gravada com o auxílio do Alexandre Maraslis, que, na época, trabalhava no Freezer, tecladista de mão cheia, com passagem por bandas de rock progressivo do Rio De Janeiro.
Tenho quase certeza que ele tocou teclados no Kinetic Ravecamp, banda do Sol com a Bia e não sei quem mais; lembro-me de comprar esta fita e ficar intrigado com o som, com ecos de Quickspace / Pram.
Também me recordo de um e-mail sobre o assunto com o Lariú, onde ele relata que o Alexandre vinha de um background de progressivo e achava anacrônico lançar um K7 e não um CD!
Quando abri todos os canais, fiquei surpreso com uma bateria até então nunca apresentada. A tal bateria – bem gravada – estava em dois canais! Até então não tinha encontrado nenhum bounce nestas sessões.
“Nesse dia, eu tinha dormido no Freezer de sexta pra sábado. Eu e o Sol, a gente tinha voltado da night de sexta e ido pra lá. O Sol foi pra casa e eu fiquei porque tinha gravação marcada pra depois do almoço com o Alexandre Maraslis. Ele trabalhava no freezer também, era o dono desse Roland (é o modelo mais famoso, aquele piano em Fool também é dele) e tocava numas bandas de progressivo. Um cara legal. A gente ia fazer as músicas sem bateria: Fool, Naturally Sad, Lautréamont e Folk Song, que é a única voz e violão gravada. Só faltavam essas músicas eu acho. Aí a gente gravou tudo e mixou essas três (Fool, Naturally Sad e Lautréamont), tudo na tarde desse sábado. Folk Song eu mixei sozinho depois, numa daquelas sessões clandestinas, nos horários mortos, quando o Sol me emprestava escondido as chaves do estúdio.“
Eu perguntei para o Colares a decisão de tirar a bateria e de onde veio o som do baixo (que inicialmente achei que poderia ser um baixo acústico, apesar de nunca ter visto o instrumento em nenhuma gravação do midsummer madness da época) e ele me explicou que: “O Alexandre meio que foi me guiando na mixagem e a gente decidiu deixar ela mais calma, a bateria entrando só em algumas partes e a guitarra também. Foi ele que tocou a bateria, o baixo e o teclado e ajudou a bolar o arranjo que ficou. É tudo do Roland, o baixo também.”
Ainda pretendo retomar esta mixagem e atacar a versão sem a bateria, mais fiel a original. Esta versão com a bateria levou o nome de “Bruce Sprinsteen Version”, quem sabe, porque a música ficou “maior”, quem sabe por causa de um single do The Loft chamado “Up the Hill and Down the Slope”, cujo arranjo inspirado no Bruce, foi um dos primeiros passos para algo mais “polido” na Creation.
Toda hora que esses assuntos relacionados com o passado aparecem, me vem à cabeça o Pete Astor falando que depois de ver o documentário da Creation, a sua impressão era de que a turma toda era um “bando de fantásticos idiotas”. Algo que ainda ressoa, enquanto lido com esta arqueologia.
Acabei adicionando nesta mix um “arranjo” da versão da Open Field Church, de repetir o “I keep on loving you” no refrão.
Preciso confessar que, na conclusão deste processo, perto do fim da mix para mandar para o Colares, comecei a chorar pensando em tudo que foi descrito acima, de todos esses anos e todas essas experiências.
Outra alma que não está mais entre nós, dessa vez na figura do Roni Corte-Real, o verdadeiro autor da ideia do arranjo do backing vocal, também faz parte desta jornada.
O backing vocal do Seabra junto com o Colares, ambos isolados, é algo absurdamente maravilhoso.
Até a próxima faixa.